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Resenha crítica X Resenha “blogueira”

Um tempo atrás (meu deus, já faz 3 anos!!!) entrei em uma discussão sobre resenhas literárias. O autor do post estava reclamando da falta de conhecimento e formação dos blogueiros literários, assim como da forma como as resenhas são feitas. Dizia ele que esses blogueiros “venderam a alma ao diabo”, por receberem livros gratuitos de editoras e, por isso, estaria “implícito no acordo que as resenhas serão sempre positivas”. No texto, ele os ofendia de inúmeras maneiras, inclusive ameaçando agressão física.

"Se você é dono de um destes blogs, [...] vou levar um porrete para, carinhosamente, ajuda-lo a enfiar um pouco de juízo na sua cabeça." Ofensas e ameaças gratuitas às quais me oponho.
“Se você é dono de um destes blogs, […] vou levar um porrete para, carinhosamente, ajuda-lo a enfiar um pouco de juízo na sua cabeça.” Ofensas e ameaças gratuitas.
É claro que, lendo aquelas barbaridades, eu corri em apoio aos blogueiros. Publiquei um comentário mostrando esse mesmo cenário por um outro ponto de vista e expliquei o quão benéfica à literatura é a mera existência desses blogs. Para minha surpresa, o comentário foi muito bem recebido e respondido com cordialidade. A partir dali, a conversa evoluiu para outros posts e nós dois acabamos chegando a conclusões interessantes. Infelizmente, quase tudo o que conversamos está indisponível hoje em dia (o blog dele saiu do ar), mas, para que o assunto não se perca, eu decidi abordá-lo novamente.

A grande questão da nossa discussão era: ele dizia que esses textos opinativos escritos pelos blogueiros não são resenhas críticas. Sendo assim, vamos começar buscando a definição do termo. De acordo com o site da PUCRS, resenha crítica “é um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre ele, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos.” O site prossegue enumerando as informações que devem constar e dá alguns exemplos. É uma explicação bastante simples e clara, diga-se de passagem, de fácil compreensão. Recomendo a leitura. Mas quero me deter em uma frase em específico: “O tom da crítica poderá ser moderado, respeitoso, agressivo, etc.”

Apesar de requerir certo esforço, fazer o resumo de um livro é a parte mais tranquila. Os problemas surgem quando falamos sobre opinião. As citações que destaquei acima tocam em dois dos pontos que geraram revolta por parte do meu colega. Em primeiro lugar, o conteúdo. É esperado, dentre outras coisas, que se aborde os pontos negativos da obra. E, em segundo, o tom do discurso, que nem sempre será amigável. Contudo, o que vemos na maioria dos blogs literários, especialmente naqueles que recebem livros gratuitos das editoras, são apenas elogios. Nos raros casos em que o blogueiro se depara com uma leitura tão ruim a ponto de ver-se obrigado a reclamar, ele faz uso de eufemismo. Usa palavras amenas para não se indispor com a editora.

Adorei esse livro, ele contém... letras.
Adorei esse livro, ele contém… letras.

Outro aspecto levantado foi a identidade do resenhista. Ainda usando como base o excelente guia da PUCRS, “A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o resenhista seja alguém com conhecimentos na área, uma vez que avalia a obra, julgando-a criticamente.” Para definir o que seria um especialista na área, seria necessário considerar o gênero literário e as ideias que o livro aborda. Mas, se considerarmos tudo como “literatura de entretenimento”, esperaria-se que o resenhista fosse um pesquisador no campo literário, quem sabe um mestre ou doutor. Ou, no mínimo, um profissional do entretenimento, ligado intimamente às artes. Mas o que vemos nos blogs são jovens, em sua maioria estudantes do ensino médio ou graduação. Já aconteceu de eu conhecer blogueiro que se declarava um mau leitor. Dizia ele ter criado o blog a fim de expressar sua opinião sobre os poucos livros que lia e, a partir dos comentários que recebesse, sentir-se impelido a ler mais.

Pessoas otimistas como eu já captaram a magia da coisa.

Concordo que os blogueiros, em sua maioria, não suprem todas as exigências de uma resenha crítica. Contudo, isso não diminui o seu valor. Muito pelo contrário, os blogs literários têm se mostrado uma poderosa ferramenta de disseminação do hábito de leitura. Comunidades inteiras se formam ao redor de um interesse comum. E todos os envolvidos saem ganhando, tanto quem escreve os posts quanto quem os comenta. Além disso, é importante ressaltar a pouca idade dos resenhistas. Eu não espero que um estudante do ensino médio possua os conhecimentos de um doutor em literatura. No entanto, para que um dia chegue ao doutorado, ele precisa exercitar o ofício da escrita desde já. Todo profissional já foi amador um dia.

O meu objetivo também não é taxar os blogueiros de amadores, mesmo porque tem gente por aí produzindo material de excelente qualidade. As credenciais dos blogueiros não estão impressas em diplomas. Eles usam seus próprios conhecimentos e preferências para legitimar suas resenhas. A autenticidade é sua maior força. É aí mesmo que eu quero chegar. Comparar uma resenha de blog com uma resenha publicada pela Veja é como comparar salmão ao molho de alcaparras com Nutella: tudo uma questão de gosto. Ou, melhor dizendo, é uma questão de público-alvo. Nos blogs literários, tudo se adequa: conteúdo, forma e suporte. Substitua um dos ingredientes e deixará de agradar aos paladares certos. Trocando em miúdos: Você e eu queremos que os jovens adquiram o hábito de leitura, certo? Então eles precisam ter acesso a conteúdo que estimule esse hábito. Mas não pode ser qualquer conteúdo. Tem que estar adequado à forma única (e, ao mesmo tempo, altamente diversificada) como eles se comunicam. E os blogs literários são o meio de comunicação ideal no cumprimento desse papel.

Salmão ao molho de alcaparras ou Nutella? Oh, dúvida cruel...
Salmão ao molho de alcaparras ou Nutella? Oh, dúvida cruel…

A pergunta que paira no ar é: “Afinal de contas, o material que esses blogs publicam pode ser chamado de resenha crítica?”, e a minha resposta está na ponta da língua: “I don’t care.”

Que diferença faz como são chamadas? Se todo esse desconforto é questão de nomenclatura, nós mudamos o nome e resolvemos o problema. Vamos chamá-las de “resenhas blogueiras”. Nome horrível, eu sei, mas quem liga? Mais do que o termo, o que interessa é a definição. A partir do momento em que assumimos que este seja um gênero textual totalmente novo, produto da popularização do acesso à internet e às novas tecnologias, temos uma infinidade de possibilidades diante de nós.

Para começar, deixemos de lado o distanciamento e a impessoalidade. Elas têm seu devido lugar em textos jornalísticos e científicos, mas as resenhas blogueiras fazem parte de um diário virtual, totalmente pessoal. Se o resenhista quer contar que ganhou o livro de presente, ou que gostou da capa porque azul é sua cor favorita, ele tem esse direito. A personalidade do autor é o aspecto mais precioso do blog inteiro. Ao ler um artigo científico, você busca saber a titulação do autor. Ao ler uma resenha blogueira, você busca saber o quão parecida aquela pessoa é com você, em termos de gostos e interesses.

Minha casa, minhas regras.
Minha casa, minhas regras.

Além disso, vamos parar de reclamar das parcerias com editoras. Vou contar um segredo para vocês: as editoras não são grandes vilãs malvadas. Elas estão aí, batalhando diariamente para sobreviver nesse mercado louco e para transformar o Brasil em um país de leitores. Aos poucos, estão conseguindo. E grande parte do mérito pertence às parcerias, que divulgam os livros e colocam a literatura na boca do povo.

Se as parcerias entre blogs e editoras fossem secretas, eu concordaria que seriam nocivas. No entanto, está tudo às claras. Os leitores dos blogs sabem que os livros são recebidos de graça, a critério de publicidade. Por sua vez, é óbvio que os blogueiros se comportarão de forma respeitosa. Não há nada de errado. Cabe a nós compreendermos as sutilezas das críticas e termos propriedade para avaliar quais indicações nos agradam e quais não. No fundo, é esse o objetivo de qualquer resenha: divulgar os livros e ajudar os leitores a selecionarem suas próximas leituras.

Para finalizar, faço um apelo a todos os amantes da leitura. O mundo precisa de fomentadores culturais, não de brigas internas. Em vez de ficarmos nos estapeando para decidir qual é a melhor forma de incentivar a leitura, vamos simplesmente incentivá-la! Cada um pode contribuir à sua maneira. Se você não gosta de resenhas blogueiras, não as leia. Sinta-se à vontade para escrever de acordo com as regras nas quais acredita. Mas também não menospreze o papel dessas resenhas na disseminação da literatura. Se, por outro lado, você é um blogueiro literário, então dê o seu melhor. Faça experimentos, use sua criatividade, escreva da forma que julgar mais frutífera. Mas não pare por aí. Coloque argumentos válidos em suas críticas. Estude gêneros textuais, aprimore-se sempre e tenha propriedade para decidir quais regras quer seguir e quais prefere subverter.

Em todos os casos, façam o que dá prazer. No fundo, blogs têm a ver com paixão. E livros também.

Beijos e até a próxima!
Karen Soarele

 


Deixo aqui para vocês alguns links relacionados ao tema: