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Bingo: O rei das manhãs (resenha)

Postado originalmente no Cultura Nerd e Geek, em 08/09/2017

Nos longínquos anos 80, antes do mundo ser atingido pela onda do politicamente correto, um ator de pornochanchadas se transforma no grande rei da programação infantil brasileira, encarnando um palhaço viciado em cocaína. Parece bizarro, mas meio que aconteceu desse jeito mesmo.

Neste colorido drama brasileiro, Vladimir Brichta interpreta Augusto Mendes, um ator de pornochanchadas na época em que o gênero estava em seus suspiros finais que, decidido a dar pra carreira um rumo menos constrangedor, que orgulhe sua mãe e, principalmente, seu filho, acaba se tornando o palhaço e apresentador infantil Bingo, uma versão ficcional do Bozo – nome que não foi usado por questões de direitos autorais.

O filme se ocupa basicamente de narrar a ascensão e queda de Augusto, acompanhando o orgulhoso ator por sua tentativa em se tornar estrela de novelas da Mundial, a campeã de audiência (uma referência engraçada de tão mal disfarçada), o teste com o gringo exigente que quer ter total controle sobre a qualidade da sua franquia, os tropeções nos primeiros episódios, até a chegada do sucesso profissional, atingido enquanto a vida pessoal se esborracha.

Vladimir interpreta o protagonista brilhantemente, conseguindo criar cenas engraçadas na figura de alguém que ganha a vida fazendo as pessoas rirem, ao mesmo tempo em que dá a carga dramática necessária para toda a complexidade do personagem. Há o orgulho de se tornar um sucesso como Bingo, mas o ressentimento de não poder revelar sua identidade em público e curtir a fama. Há sua mãe, uma diva decadente que sonha em voltar para a novela das 8 (Ana Lúcia Torre, fantástica também), que acaba ficando na mão durante uma noite de farra. E também há a paternidade, já que o ator queria seguir um caminho do qual seu filho pudesse se gabar (Cauã Martins, que, pela atuação, deve ser um adulto em miniatura), resultando em Augusto divertindo todas as crianças do país, menos aquela que motivou suas escolhas.

O filme também tem Leandra Leal no papel da diretora evangélica que Augusto quer seduzir, Emanuelle Araújo interpretando uma Gretchen que talvez seja mais Gretchen até do que a própria Gretchen, Augusto Madeira como o melhor amigo e cameraman que acompanha o protagonista em suas noitadas, além de participações de Domingos Montagner em seu último papel de cinema, como um palhaço de circo que treina o protagonista, e Pedro Bial, como o diretor da Rede Globo Mundial. Mas não se engane, mesmo que todos estejam muito bem onde foram escalados, Vladimir carrega o filme nas costas e ainda faz umas gracinhas pelo caminho.

Bingo é o primeiro longa como diretor de Daniel Rezende, montador do clássico Cidade de Deus (que lhe rendeu um Bafta e uma indicação ao Oscar), e se mostra muito competente na sua estreia ao entregar um filme que, além de contar com um ótimo roteiro e ótimas interpretações, é visualmente lindo, conseguindo ir da comédia ao drama de forma eficiente em segundos em cenas belíssimas, como a saída de Augusto do estúdio com as luzes se apagando às suas costas, um número musical que acontece meio de surpresa e a cena que registra o ápice do conflito entre o ator e sua personagem, minha favorita das três, mais no final. A direção de arte, que registra os exageros dos anos 80 sem perder a mão, e a trilha sonora, marcada pelas seleções em fita cassete do nosso protagonista, também são pontos altos.

Em resumo, Bingo: O Rei das Manhãs é um grande filme, cinema nacional de altíssima qualidade e uma obra que mostra que nem só de Wagner Moura e crônicas de desigualdade social se faz nosso cinema. Recomendo com força.