foto papo de autor

Joana Em Outros Corpos Em Uma Sequência De Mal Entendidos

(Escrevo sob ameaça de ser processado. Mas ela só me deixa ainda mais  inspirado, o que me faz também ter mais motivos para “pagar para ver” se quem ameaça realmente tem coragem de fazer o que diz.

 

Se você tem os seus advogados, eu também tenho os meus. Ora… E não tenho medo de ninguém.)

 

Dito isso, prossigo, partindo do princípio:

 

Não seja um escritor bunda-mole. E mantenha o copo sempre cheio!!

 

Coloque o dedo na ferida. Vá até o fundo e não tenha medo de dizer tudo o que nunca você diria.

 

Porque se na literatura houver filtros, não poderemos mais assim chamá-la. Ela é justamente a medida delirante e violenta que suspende todas as convenções e protocolos.

 

Basicamente, o que sempre me orientou foi ter em mente que, quando a inspiração se baseava em pessoas reais e acontecimentos verdadeiros, tudo aquilo era invenção ao ser reelaborado na página de um conto ou romance.

 

Eu não podia ter em mente que pessoas com as quais eu havia convivido estavam sendo representadas por mim, no livro. Eu sempre tive que me descolar das pessoas e dos acontecimentos para produzir o delírio sobre a linguagem. Eu só conseguia escrever quando a subversão da realidade se tornava uma nova formulação ficcional. Sobretudo, somente com a liberdade de delirar sobre pedaços de memórias era de fato possível produzir literatura.

 

É preciso romper com quase todos os princípios éticos para a formulação de uma nova estética. Ou pelo menos de algo que a essa se assemelhe.

 

Se poupar amigos e familiares for mais importante que sua literatura, você nunca será um escritor de verdade.

 

Posso dizer que perdi pessoas ao não filtrar críticas severas a quem estava por perto. Mas sempre deixo avisado que não estou aqui para fazer uma biografia fofa somente para agradar.

 

Faço da literatura uma armadilha discursiva. E, normalmente, a crueldade passa a ser uma grande aliada para mobilizar forças adormecidas em nós.

 

Basta lembrar um livro do escritor Francês, Allain-Robbe Grillet, publicado após um silêncio de quase dez anos e lançado pouco depois de sua morte. Estou falando de Um Romance Sentimental (Editora Record). Um livro que mistura pedofilia, incesto e sadismo em doses cavalares, sem medo ou covardia.

 

É preciso sempre devir outra coisa na escrita ficcional.

 

No caso da minha personagem Joana, a situação toda se tornaria cômica, não fosse a vaga determinação em ir além de um relato amoroso mal empreendido. Explico: apliquei nela alguns traços pervertidos retirados do sadismo de Um Romance Sentimental, mas sem ir assim digamos tão verticalmente na direção do desejo. Umas duas ou três páginas nas quais destilei pequenas crueldades. Fazer isso era fundamental para encontrar uma forma artística, na superação dos fatos vivenciados, para desvelar o delírio ilimitado e perverso.

 

Mas a minha Joana também tem dívida com a personagem do Marcelo Mirisola em seu Joana A Contragosto (Editora Record).

 

Eu realmente me pergunto se será possível fazer literatura com Direitos Humanos.

 

Pior ainda quando você superestima a inteligência de alguém que resumiu sua vida a memes e a dependência crônica por ervas naturais, etc.. Isso, sem contar tantas outras pequenas ilusões infantis em idade avançada. Características que têm como resultado uma débil condição psicológica, cuja imaturidade se revela em doses inexpressivas de empatia humana e humanizadoras.

 

Tecnicamente: uma sociopatia tolerável mas pouco indicada para aqueles que sonham com uma carreira em consultórios terapêuticos. Por outro lado, um perfil de dar inveja a muitos aspirantes a escritor, tanto que sem a parceria entre nós mal-acordada meus bloqueios criativos nunca teriam me deixado concluir o romance Mocinho, Adeus.

 

Ela leva jeito para a coisa…

 

Ainda assim não posso poupar uma última crítica, já que toda a incompreensão só existe em um contexto no qual uma das partes mistura alhos com bugalhos e acaba fazendo um drama desnecessário onde só deveria haver uma elegia do difuso. Mas isso, na maioria esmagadora das vezes, é demais para qualquer um.

 

Afinal de contas, em tempos excessivamente centrados em uma auto-imagem projetada e cuidadosamente protegida, só lhes restará a nulidade dos sentimentos extintos em uma juventude rica em memórias digitalizadas mas sem qualquer profundidade.

 

Tão planas quanto a superfície da água.